terça-feira, 9 de outubro de 2012


Dia 6.
Camilinha.

Acordei mais cedo hoje. Ainda tinha que terminar aquele projeto da noite passada que, indiretamente, você não deixou. Queria um banho mais demorado também, algo que me levasse pra fora de mim e me privasse de meus problemas sempre tão constantes. Ainda mantenho aquela viva esperança de que a água quente e corrente arranque tudo o que me é torturante e leve para o ralo, junto com o suor e cansaço. Algumas vezes deu certo. Resolvi sair a pé. Queria olhar a rua, rever os vizinhos, apreciar o dia e tentar respirar algo além do ar-condicionado do carro. Na ida para o escritório, passei por aquela pracinha em que a gente se viu pela segunda vez. Não estranhe, me lembro de cada encontro que tivemos. Casual ou premeditado, eu me lembro. Havia algumas crianças brincando por lá enquanto os pais as olhavam atentos. Aquele cuidado típico de quem se preocupa e tem medo de que algo de ruim aconteça. Você conhece isso muito bem porque é o tipo de cuidado que eu sempre mantive por você. Você sempre foi pequena, baixinha, cabe direitinho no meu abraço, e toda a sua delicadeza natural era algo que me fazia zelar por você como se um simples passo em falso fosse te fazer quebrar por inteira; embora eu sempre soubesse que você não se quebra fácil. Uma das crianças veio correndo em minha direção me chamando de titio e pulou no meu colo. Quase não a reconheço. Parece até inacreditável pra mim, mas quase me esqueci dela... Era uma menininha, ruivinha e sardenta, dona de um sorriso que derrete o coração de qualquer pessoa nesse mundo. A Camilinha, você lembra? Claro que se lembra. A nossa filhinha emprestada. A salvamos uma semana antes de você ir embora. Ela se perdeu da mãe no desfile de 7 de setembro, e você ficou tão comovida com aqueles olhos molhados que rodamos por exatas 2h18min procurando a Dona Carmen. Confesso que pensei em desistir por duas vezes, mas você não deixou, estava realmente empenhada em ajudar uma criança de 8 anos que nem ao menos conhecia. Quando finalmente encontramos, você disse que só aquele sorriso fez valer toda a cansativa caminhada sob o sol escaldante. Você nem sabe, mas essa foi a primeira vez em que eu tive certeza que você era a mulher da minha vida. Abracei, dei um beijo na testa e ela comentou que minha barba estava um pouco maior. Disse que eu estava mais bonito também. Aí ela perguntou de você... Balbuciei um pouco, pensei em não comentar nada e simplesmente mudar de assunto, mas falei que não estávamos mais juntos. Ela fez um biquinho de tristeza exatamente igual ao que você fazia quando estava com manha. Aí ela perguntou se eu ainda te amava. O que uma pequena mente inocente como a dela entendia de amor? Por que essa curiosidade sobre esse assunto? Por que essa pergunta logo agora que meu coração começa a aceitar o fato de não te ter mais? Não achei resposta. O engraçado é que eu nem soube mentir. Assim como você, ela bloqueava isso em mim. Apenas balancei a cabeça positivamente e abaixei os olhos. Ela me abraçou de novo. Suspirou, bem como eu suspirava quando não tinha mais o que dizer. Apertou o abraço. Não pude evitar, soltei um sorrisinho bobo de canto. Há muito ninguém demonstrava tamanho afeto e preocupação com meu discreto sofrimento. Ela, uma criança que virou alguém na minha vida por acaso, já compreendia quando deveria ser mais do que uma pessoa na minha frente e, mais do que isso, sabia a exata hora de virar só braços encobrindo minha dor. Ela parecia mais com um anjo da guarda zelando por um homem barbado que mal sabia se cuidar. Parecia até você... Me despedi dela, disse que tinha que ir embora, já estava realmente atrasado para o trabalho. Ela retardou minha saída segurando minha mão e me mandou abaixar novamente. Olhando nos meus olhos, ela disse as palavras mais incríveis que poderia: “A tia veio aqui semana passada, sabia? Ela parou bem aqui onde você tá. Ela disse que te ama.” Me abraçou pela última vez e voltou correndo para onde estava sua mãe. Foi ser de novo só uma criança feliz no parquinho do bairro. Saí meio zonzo com o que ouvira ainda, olhei pra ela e ela acenava com a mão. Acenei de volta e segui com meu dia. Achei isso tão incrível que meu coração ainda pulsa toda vez que lembro. É certo que ela não sabe disso, mas, suas palavras me fizeram feliz por um dia inteiro. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário