Dia 5.
Última dose de você.
Sinto um calafrio
vindo do lado direito do quarto todo dia nessa mesma hora. Essa é só mais uma
noite que eu termino sozinho, mas a cada dia vou ficando um pouco mais longe de
mim mesmo. O relógio agora já marca 01:30, mas o sono me abandonou por mais uma
madrugada. Janela aberta e cortinas balançando. Por menos que queira, essas
coisas me distraem. Uma monotonia e calmaria que se tornaram
constantes. Fico impressionado como todas essas coisas, por mais
simples que sejam, têm a capacidade de mover minha mente de modo que eu me
lembre de você e todo o seu jeito torto de ser.
Há duas horas estou
com uma folha em branco jogada na mesa tentando projetar uma casa de campo a
mando de meu chefe. Há três, o projeto esteve pronto, mas embolei o papel e
joguei fora. Inconscientemente, projetei a casa dos nossos sonhos. Você,
seu jeito abusivo e único, me movem os pensamentos e me desconcentram de tudo o
que tento começar. E isso não se resume à arquitetura.
Essa semana eu senti uma saudade absurda de todas as suas manias toscas e exclusivas. Procurei de todos
os modos encontrar um pouco de você em cada canto da casa. Não sei se foi
coisa da minha cabeça, mas senti o cheiro do seu shampoo no banheiro e
posso jurar que ouvi sua risada vinda da sala, coisa que você fazia com muita
frequência. Você ria até do jeito que o peixinho dourado se balançava
no aquário. Minhas lembranças não me abandonam nem que eu arranque
fora a minha cabeça. Sua mania egoísta de levantar de manhã sem a
menor preocupação em me acordar. Pra mim, até hoje, essa era sua maneira
de me despertar só pra vir se ajeitando no meu peito logo depois. Sua
mania de tentar ser sexy com suas danças esquisitas em cima da cama, fora do
ritmo e do compasso e você dizendo que aquilo era só uma de suas técnicas de
sedução. Você nem sabe, mas seu melhor jeito de ser sexy era jogada ali mesmo no meu colchão, com minha camisa dos Beatles, o cabelo molhado e a carinha de sono
que te fazia parecer a menininha do papai. Sinto saudade
até mesmo do jeito que me ignorava quando eu fazia minhas declarações melosas ao
pé do seu ouvido enquanto adormecia. Seus acertos e defeitos. Apenas
sinto falta.
As cortinas balançando
me lembram da leveza e delicadeza com a qual você tratava todo mundo, mesmo que
o tempo todo tenha tentado deixar a frieza esconder a verdadeira pessoa que lhe
habita. Aquele balançar suave me lembrou de suas mãos passeando em meu rosto e
reclamando do tamanho da minha barba. Vez ou outra você me chamou de Raul
Seixas e disse que eu era um maluco beleza. Discutimos por
uma da noite inteira porque sua teimosia não te deixava aceitar que “Maluco
Beleza” era de Caetano e não de Raul. Até esse vento
frio me lembra você. Porque naquele dia, no bater de portas e lágrimas
no chão, você disse que nunca deveria ter me amado. Acredito que uma
faca no meu peito doeria menos do que tais palavras sendo expulsas por sua
boca. Você pareceu se arrepender no mesmo instante, mas seu estúpido
orgulho não te permitiu pedir desculpas. Você, assim como esse
vento incômodo, se apropriou do local como já sendo de casa e me roubou sem
chance de escape.
Já rodei a casa inteira te procurando. De cômodo em cômodo eu olhei. Repeti todo o
processo que fiz em todos os dias desde que você me deu o último tchau.
Olhei dentro do armário, do guarda-roupa, embaixo da cama, e, dessa vez, até
dentro do forno me dei o trabalho. Já faz dois meses que você se foi e
eu me recuso a aceitar que tudo tenha ido junto. Seus CDs ao lado
dos meus, seus sonhos compartilhados comigo, seus pensamentos me confundindo. É
como se você fosse um remédio que tomei por muito tempo e agora, logo agora, o
médico fez o favor de mandar parar. No momento em que mais preciso, o
remédio foi vedado de minha receita. E o médico, bom, o médico nem ao
menos sabe. Viciei. Não consigo parar. Ainda preciso de um
pouco mais. Mais uma dose do remédio. Só mais um pequena dose. Só mais
uma de você.
Paulinha, sensacional
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