quarta-feira, 3 de outubro de 2012


Dia 3.
O assunto não é você.

Hoje eu tive um encontro. Um daqueles comuns onde a gente convida uma mulher que conheceu no shopping, conversa e termina a noite na cama. Ouvi o som da campainha, mas meu coração nem acelerou. Estava tão calmo que nem eu mesmo me reconhecia. Você me conhece, sou todo estabanado e aflito. Não foi esse o termo que usou? Estabanado. Levantei sutilmente do sofá, desliguei a TV, sem pressa, sem ansiedade e fui atender a porta. Lembrei-me da primeira vez que você veio jantar comigo. Fiquei tão apavorado que derrubei a garrafa daquele vinho caro que até hoje não aprendi a pronunciar o nome. Mal sabia eu que você nem ligaria pra essas besteiras que fiz pra tentar te impressionar. Você sempre se mostrou tão diferente que me julgo um imbecil por ter achado que seria tudo igual.
Ela era loira, alta, um batom exageradamente vermelho. Parecia ser do tipo provocante, sabe? E era. Sua beleza era estonteante e indiscutível. Vestido justo, salto agulha e um cabelo bem liso, diferente do seu que estava quase sempre bagunçado. Eu gostava. Não supera o seu, mas era bonito. É impressionante como eu me envolvi com uma mulher exatamente do tipo que você odeia. Pode parecer provocação, mas foi puro acaso. Eu mal reparei nela no começo. Você dizia que esse tipo de mulher se produzia com tanto zelo só pra tentar preencher o vazio que carregava no lugar do cérebro. Você e seus preconceitos estúpidos. Você que sempre foi o oposto de toda essa futilidade que envolve certos mundos femininos. Sempre no básico e improvisado. Ela insinuou tanto que queria sair comigo que eu acabei convidando-a pra jantar, já com você, eu tive que batalhar por quase uma semana. Nunca fui disso, de ficar indo atrás de mulher. Minha timidez nunca me permitiu. Mas você nunca foi comum e acabou me tirando do meu comum também, talvez esse seja o principal motivo pelo qual me apaixonei. De qualquer forma, o assunto aqui não é você. 
Ela entrou, me deu um beijo no rosto e foi reta até a mesa. Tá, vamos lá, é impossível não lembrar de você. Quando veio aqui pela primeira vez, você observou a casa inteira e perguntou quem era a morena bonita no porta-retratos da sala. Quando disse que era minha irmã, você olhou pra mim e perguntou o que tinha dado de errado na minha fabricação. Você riu e eu ri, como sempre. Bobo e tímido, sempre rindo de você. Sempre pra você. Daí você disse que a cor de minhas cortinas não combinava com a cor das paredes. Me chamou de brega e riu da minha cara de surpreso. Você e sua mania de ser tão intrometida. Mas, o assunto aqui ainda não é você. 
Ela fez uma cara de mais ou menos pra minha macarronada improvisada, mas sorriu educadamente e comeu sem reclamar. Ela falava sem parar também, mas não consegui compreender direito o que foi dito. Me perguntou se estava bonita três vezes durante o jantar e foi ao banheiro duas retocar a maquiagem. É, eu lembrei de você. De novo. Porque eu fiz essa mesma macarronada pra gente e você riu de mim - já tinha virado seu esporte preferido - e disse que não dava pra comer aquele grude. É, você usou esse termo pra minha comida que nem era tão ruim assim. E riu de novo. E eu ri de sua risada estranha. E ri de mim. E do jeito que eu estava tão idiotamente apaixonado por aquela menina na minha frente. Pedimos uma pizza e coca-cola e rimos um do outro quase que o tempo inteiro. Aí que eu pensei na outra.
Será que ela aceitaria terminar uma noite jogada no sofá depois de se empanturrar com pizza e coca-cola? Será que ela entraria no meu quarto sem ser convidada, mexeria nos meus livros e diria que a bagunça de minha cama combinava com a da minha cabeça? Será que ela ficaria com vergonha, me chamaria de feio barbudo e mudaria de assunto instantaneamente depois de eu elogiar o sorriso dela? Eu acho que não. Porque ela não é você. Ela não tem sua mania de soltar um grito enquanto dá risada nem de mexer nos meus CDs procurando algo que preste pra dançar. Ela não teria a cara-de-pau de reclamar dos filmes da minha estante e dizer que eu tenho que ter um pouco mais de cultura na minha casa. Ela não tem sua doce loucura nem seu jeito manhoso de me fazer mudar os planos. Não tem o dom de transformar meu vazio em pequenas construções. Ela não consegue bagunçar meu mundo inteiro fazendo-o virar de ponta-cabeça, talvez ela até o arrume com aquele jeito mulherão de ser. Mas, você sabe, me conhece, eu não gosto de nada arrumado. E ela é bonita, educada e refinada. Uma mulher incrível. Fala baixo e sabe esperar eu oferecer algo. Tem toda a feminilidade que uma mulher precisa e um perfume doce que envolve toda a minha casa. E ela ainda está aqui. Não fugiu de mim quando tentei beijá-la, nem saiu correndo pela minha porta na primeira oportunidade. Talvez seja ela a me acordar amanhã com um beijo suave na barba mal feita ao invés daquele barulho absurdo que você sempre faz de manhã. É, pode ser que seja ela, não pode? A mulher certa pra mim. Se não for agora, talvez o com o tempo seja. Vou pagar pra ver. Vou pagar pra vê-la. Até porque, o assunto hoje não você.

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