segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Dia 1. 
Um bilhete disfarçado. 
   
    Tarde demais. Achei isso muito bem escrito em um papel jogado na gaveta do meu criado-mudo. Embaixo de um livro, todo dobradinho, como se ninguém o devesse encontrar. Não estranharia se reconhecesse minha letra mal feita ali, porque eu sempre desisto de tudo e de todo mundo. Sempre deixo passar, sempre reconheço o fim se aproximando. Sempre é tarde demais pra mim. Mas, não. Aquelas letrinhas tão redondas e feitas tão cuidadosamente não me pertenciam. Sua letra era inconfundível pra mim, porque me lembro que só pude vê-la depois de 5 meses insistindo. Você nunca gostou de escrever porque sempre teve vergonha de se mostrar por inteira pra qualquer pessoa. E isso não era algo exclusivo de sua caligrafia. Você se escondeu de mim o quanto pode, pelo tempo que pode e eu sempre buscando uma brecha pra te descobrir um pouquinho mais e melhor. Fui um intruso quase que o tempo todo. Mas, olha, nunca nada disso adiantou. Assim como reconheço sua letra embaralhada em um papel sujo, reconheço você, como sempre bagunçada, em uma multidão de mulheres estranhamente iguais. 
    Tarde demais. Parecia um recado. Um apelo. Uma lamentação. Apesar de te conhecer como ninguém, nunca consegui te decifrar completamente. Você era um enigma com mil variáveis e eu nunca cheguei a resolver metade. Como eu poderia agora traduzir o que essas duas palavras significariam? Confesso que dei de ombros primeiramente. Você é tão maluca que poderia muito bem ter feito aquilo pra me preocupar na manhã seguinte, me deixar com uma pulga atrás da orelha e tomar mais café que o normal com medo de você ir embora. Tratei de me convencer de que aquilo era só um papel amarelado pelo tempo jogado no fundo de uma gaveta abandonada, que só era aberta no fim do mês, quando eu tentava me livrar das contas pagas de algum jeito. Poderia ser o nome de uma música que você ouviu no rádio, ou o nome de um livro que você gostaria de comprar. Você sempre manteve essa mania de escrever em tudo e largar por aí, apesar de sua organização ser impecável.  Mas também poderia ser só um rabisco sem importância feito numa noite de insônia, já que elas eram meio que frequentes pra você. Mania de preocupação excessiva (e essa você pegou de mim). Não precisa ter obrigatoriamente um significado poético e bonito, precisa? Mas, aquilo ficou me martirizando. A minha cabeça - já tão cheia de dúvidas - gerou mil e uma possibilidades e motivos. Até busquei na internet pela frase pra ver se algo ali me lembrava você, ou algo que fez, e se eu encontrava um motivo aparente pra'quilo ser deixado na minha gaveta tão bem guardado. Sempre tive essa mania tola de achar que tudo o que você faz é um sinal de alguma coisa. E o pior é que eu sei que você nunca foi de fazer besteirinhas românticas, então isso era improvável.
    Tarde demais. Do que você estava falando exatamente? Do nosso amor? Do meu arrependimento? Do seu arrependimento? Do nosso fim trágico e deprimente? Da minha covardia? Da sua frieza? Nunca vou saber. Só sei que minha cabeça quase explodiu com essas duas palavras me martelando a mente durante um dia inteirinho. Não sei que dia isso foi colocado na minha gaveta, se foi jogado ou planejado, se tinha data pra ser visto ou era só mais uma de suas esquisitices. Mas lembro-me exatamente do dia em que você empurrou isso para minha vida. Rigorosa e sutil. E foi bem sutil: um pouco no dia em que o vazio começou a se espalhar em minha sala, meu quarto, minha cama, até conseguir alcançar o meu corpo. Outro tanto no dia do bater de portas e troca de ofensas. Mais um pouco no dia em que viramos estranhos e não nos reconhecemos no show da bandinha da cidade. O restante quando você me esqueceu completamente. 
   Tarde demais. Talvez essas duas palavras só signifiquem o que o dicionário nos diz. Só uma junção de palavras que significa o que têm que significar. Sem melodrama, sem belos pensamentos ou intenções. Sem romance improvisado. Tarde demais para você me procurar, tarde demais para eu me desculpar. Tarde demais para nós dois. Tarde demais porque já é tarde demais.  Simplesmente já não tem mais pra onde voltar.

3 comentários:

  1. gostei do texto e do jeito que você escreve. quando tem post novo?

    ResponderExcluir
  2. Aaaaaah! Amei, amei! Muito bem escrito, Paula. Conseguiu me prender no texto de uma forma única. Belo escrito! :)

    ResponderExcluir